domingo, 20 de outubro de 2013

Entrevista com a etnomusicóloga Wênia Xavier

Entrevista concedida ao site batera.com.br no link abaixo:
TEXTO NA ÍNTEGRA:
04 de abril de 2012, por Adriana Pivatti

Você sabe o que é Etnomusicologia, capoeira Angola? A professora Wênia respondeu ao site Batera.com.br
De Patos, sertão da Paraíba, a Etnomusicóloga, pedagoga, produtora cultural, educadora musical e mãe, Wênia Xavier, teve seu primeiro contato com a música e com a percussão através da dança. Ela participou de grupos de dança folclórica e da cultura midiática dos 3 aos 13 anos. “Tinha muita facilidade em criar coreografias e gostava de estar no palco me apresentando”, diz.
Seu amigo, o baterista Gledson Meira, lhe deu as primeiras aulas de bateria, depois a encaminhou para um curso no Departamento de música da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, no qual ela se formou em Percussão.
Hoje com um vasto currículo, Wênia é, principalmente, professora de percussão na Escola de música Anthenor Navarro – EMAN e integrante da Orquestra Sinfônica do RN, além de vários outros projetos, entre eles, organizadora do evento Dia Percussivo, que nesse ano se chamará 5º Dia Percussivo/ Festival Paraíba Percussiva. “No ano passado ofereceu 15 oficinas gratuitas, 22 grupos e artistas se apresentaram de percussão erudita, popular e bateria, houve também exposição de instrumentos, mostra de vídeos, seminários, palestras, mesa-redonda, concurso e produzimos sempre um documentário sobre o homenageado do ano”, informa.
Site Batera: Com um currículo como o seu, lhe falta algo?
Wênia: Apesar de já ter feito muita coisa, no âmbito acadêmico, artístico e da produção cultural, me considero apenas engatinhando. A música percussiva nos permite uma grande gama de possibilidades de trabalho e nesse sentido tenho uma lista de projetos. Na minha formação pretendo fazer um doutorado na área, como professora pretendo me estabilizar no ensino superior. Pretendo também realizar um projeto social grande através da música, no futuro pelo meu bairro que tem um alto índice de violência. Para isso, estou registrando este ano a minha associação, a "A Associação Paraíba Percussiva" que envolve o meu blog "Paraíba Percussiva", os eventos que organizo, os grupos de percussão que coordeno (o Percussons de música erudita e o Batuque das Calungas de música popular) e posteriormente que se transformará em uma escola. Pretendo também desenvolver um trabalho voluntário de música no Centro Espírita Kardecista do qual participo. Também quero conhecer outros grupos, instrumentos, técnicas, pessoas, outras culturas de uma forma em geral, que me abrirão mais a mente para poder pensar melhor sobre a música que crio, os arranjos para percussão, a transmissão musical e a minha concepção de música e de Etnomusicologia. Estou com dois projetos prontos para lançar um métodos e um livro sobre a percussão na capoeira angola, mas provavelmente só para o ano que vem.

Site Batera: Fale um pouco mais sobre Etnomusicologia. Primeira vez que ouço esse termo.
Wênia: A Etnomusicologia é um termo relativamente recente em relação às outras ciências. Foi instituída há pouco mais de 100 anos na Europa. É uma disciplina que está entre a Antropologia Cultural e a Musicologia. Utiliza-se dos métodos de investigação das Ciências Sociais e dos conteúdos musicológicos. Já foi chamada de Musicologia Comparativa (quando a Musicologia dividiu-se em Histórica e Comparativa). Investiga basicamente o homem e sua música no contexto cultural que a produz e para isso, o investigador precisa estar em contato direto com os nativos, para que sua compreensão seja a mais próxima possível da realidade estudada. A música é nesse sentido, a própria cultura e não apenas um elemento dela. Antes o antropólogo fazia as gravações musicais do objeto de estudo e o musicólogo transcrevia as partituras, sem ter nenhuma noção do significado daquela música, nem de suas técnicas, posturas e isso tornava as partituras inclusive pouco idiomáticas. As partituras não possibilitavam a compreensão e apreciação das músicas e tornou-se necessário que o musicólogo mergulhasse na cultura onde soavam estas músicas adotando uma perspectiva antropológica. O termo Etnomusicologia em si só surgiu em 1950, mas o expoente do Modernismo brasileiro, Mário de Andrade, já realizava pesquisas etnomusicológicas (mesmo antes do termo se firmar nos EUA) com sua vinda ao nordeste brasileiro e outros estados em 1928 e o registro das "Missões de Pesquisas Folclóricas" em 1938. O próprio sentido da afinação musical que temos, vem de uma visão cultural eurocêntrica, mas dentro da visão da Etno,  uma música de uma determinada cultura pode soar desafinado para nós e não para eles. A notação musical na etnomusicologia também pode ser relativa, pois, nem tudo que se produz musicalmente nas culturas é possível de encaixar dentro da notação tradicional. O Brasil é referência em muitos trabalhos Etnomusicológicos sobre a cultura indígena, o samba do recôncavo baiano, a cultura afro no Brasil, a Amazônia, e muitos pesquisadores contribuíram para isso como Rafael José de Menezes Bastos, Carlos Sandroni, entre outros. A criação da disciplina Etnomusicologia dentro dos cursos de Antropologia a partir dos anos 1990 e dos Cursos de Pós-Graduação, a Criação da ABET (Associação Brasileira de Etnomusicologia) em 2001 também contribuíram para o desenvolvimento da Etnomusicologia no Brasil. A UFPB na Paraíba é um dos centros de referência nesse sentido com um mestrado que recebe o conceito 4 pelo MEC. Foi onde fiz meu curso de mestrado pesquisando sobre a capoeira angola na Paraíba.  
Site Batera:  Você se aperfeiçoou em algum estilo musical? 
Wênia: Comecei estudando bateria e quando fui estudar percussão erudita na UFPB logo me chamaram para tocar em orquestras, bandas, pra dar aula. Tudo aconteceu e ainda acontece muito rápido para mim. Comecei a estudar música relativamente tarde com 18 anos, me formei em minha primeira graduação (em Pedagogia) aos 19 anos. Naquela época não tinham muitos percussionistas orquestrais por aqui, apenas uma geração formada por Odair que estava toda empregada. Então tocava bastante tanto em orquestras quanto em bandas. Me identifico com o trabalho orquestral mas, me identifico mais ainda com o trabalho da música popular, especialmente tudo que diz respeito á cultura popular nordestina. Não posso dizer que sou especialista no assunto, mas procuro pesquisar sempre sobre a diversidade musical do nordeste. 
Site Batera: Porque você optou em estudar mais a capoeira Angola?
Wênia: A capoeira é oriunda da experiência sóciocultural de africanos e seus descendentes no Brasil, tendo grande aceitação de que se originou no processo de colonização brasileira. Os negros foram escravizados, torturados, humilhados e não aceitaram pacificamente o cativeiro. Refugiaram-se em quilombos e  criaram  uma forma de luta, disfarçada de dança, inspirada no  N´golo - uma dança-luta africana que fazia parte do ritual de passagem para a adolescência imitando o movimento das zebras. Após a abolição da escravatura, os negros ficaram livres mas marginalizados, sem teto e sem emprego e começaram a roubar e saquear com o auxílio da capoeira. Por muito tempo foi chamada apenas de capoeira. Seu maior representante foi Vicente Ferreira Pastinha (Mestre Pastinha). Sua prática foi proibida por lei através do código penal 187 de 11 de outubro de 1890, por duas décadas no Brasil. Esta lei foi revogada no governo Getúlio Vargas, onde Manuel dos Reis Machado (Mestre Bimba) passou a dar aulas para a a guarda do Presidente em um recinto fechado chamado de Centro de Cultura Física e Regional, a primeira academia de capoeira com alvará de funcionamento em 1932. O Mestre Bimba, uniu à capoeira a técnica do boxe e do jiu-jitsu e criou um método de ensino que chamou de Capoeira Regional. Desta forma, a capoeira que não era regional era chamada de Capoeira Angola ou Capoeira Mãe, voltada mais para as tradições, enquanto a Regional era mais voltada para a prática desportiva. Tanto a Angola como a Regional são capoeiras genuinamente brasileiras, criadas no Brasil por negros africanos e reconhecida em 2008 pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como patrimônio cultural e imaterial brasileiro. Desde 1926, a capoeira já poderia ter obtido este registro, mas seria um paradoxo uma prática considerada crime, ser imediatamente reconhecida como símbolo da identidade cultural de um povo. Felizmente com a reformulação do conceito de patrimônio cultural a capoeira pode obter esse reconhecimento. Os estados brasileiros onde ela primeiramente se desenvolveu foram os Estados do Rio de Janeiro,da Bahia e de Pernambuco. De Pernambuco veio para a Paraíba o Mestre soteropolitano Zumbi Bahia que trouxe seus ensinamentos por volta de 1979. De lá para cá se formaram grupos e associações. O Grupo Capoeira Angola Comunidade é um dos mais antigos em atividade na Paraíba com 32 anos e o Mestre Naldinho é o mestre de capoeira que primeiro se formou no Estado. Foi sobre este grupo minha pesquisa de mestrado. Também com este grupo participo da Orquestra de Berimbaus Angola Comunidade, até onde se tem notícia, a mais antiga orquestra de berimbaus do país, desde 1995. 
Site batera: Porque saiu do grupo "As bastianas", já que foi umas das criadoras? Pode falar?
Wênia: Criei o grupo "As Bastianas" em março de 1999, havia acabado de sair da Banda Labacé do Cantor Escurinho. Na época existia apenas dois grupos femininos ativos em João Pessoa, o Nossa Voz (grupo vocal) e a Banda Absurdos (de pop rock). Foi uma inovação para a época.  Atualmente existem muitas bandas em João Pessoa formada por mulheres como o Clã Brasil, Lírios do Gueto, Batuque de Saia, As Calungas, entre outras. Conduzi o grupo por dois anos até o momento em que foram morar em São Paulo. Já tinha meu emprego na Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte. Muitas das minhas idéias estão no primeiro CD, embora não tenha gravado o primeiro CD na versão definitiva. Quando muitas das meninas saíram do grupo, fui convidada novamente para voltar, fiz temporada em São Paulo, onde fizemos os arranjos para o segundo CD. Ao longo dos anos, não me identifiquei mais com a proposta do grupo que não tinha mais os mesmos conceitos e objetivos iniciais. Muitas de minhas alunas também passaram pelo grupo. Hoje só tem uma pessoa da formação inicial e boa parte do grupo é formada por homens.
Site Batera: Quais são seus projetos para 2012?
Wênia: Este ano pretendo realizar o 5º Dia Percussivo/ Festival Paraíba Percussiva 2012, fazer a direção musical do primeiro CD do grupo Percussons com músicas inéditas para percussão de compositores paraibanos, gravar o segundo CD de Naldinho Braga com quem estarei tocando em alguns editais já selecionados. Pretendo concluir uma pós graduação em performance em Natal, dar continuidade a licenciatura em música na UFPB, participar da equipe de gravação do DVD sobre a vida e obra do músico paraibano Manoel Serafim, já falecido , que  foi da Banda de Jackson do Pandeiro. Fazer a temporada 2012 da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, continuar com o trabalho de percussão sinfônica da Escola de Música Anthenor Navarro e continuar o trabalho de percussão popular através de oficinas nos bairros da capital paraibana. Tudo isso requer um planejamento muito organizado para poder além trabalho dar conta da casa, familia - dos meus pequenos filhotes Uirá (5 anos), Júlia (3 anos) e do marido que também é músico, do espírito (no centro que frequento há 7 anos) e da saúde pois estou com acompanhamento nutricional e físico, fazendo cerca de duas horas de musculação por dia para aguentar o pique e o stress das atividades diárias.